Mário da Silva Moura

TESTEMUNHO SOBRE A CARMEN FORTUNA

Comecei a trabalhar no serviço de urgência do Hospital do Espírito Santo em 1953.

Atendia a qualquer hora as muitas pessoas que necessitavam de assistência para si ou para familiares, de noite ou de dia.

Uma ou duas vezes atendi uma jovem mãe com um qualquer problema num filho que trazia ao colo, mas despertou-me a atenção que das duas vezes a criança não era a mesma.

Muito atento aos problemas de relacionamento com os pacientes e a sua maneira de actuar, verifiquei que aquela mãe era duma ternura extrema para com os seus filhos apesar da sua franzina juventude.

O tempo ia passando e esta presença repetiu-se mais algumas vezes pelo que resolvi indagar de quem se tratava. Disseram-me então, para meu espanto, que era uma menina da Quinta do Anjo que deixara a sua própria profissão para acolher crianças abandonadas ou filhas de pais sem condições para as criar (prostitutas, alcoólicos, etc.).

Eu era ateu nessa altura e estava muito atento a actos de caridade que me apareciam no meu dia-a-dia - a bondade e o amor eram para mim algo de muito importante e tocavam-me no coração de maneira especial.

Estas presenças da Cármen Fortuna no banco do hospital foram alguns dos factos que mais contribuíram para vencer os meus problemas com Deus.

Assim comecei a ouvir falar e a conhecer a Carmita, como era conhecida, impressionado com a sua capacidade de entrega aos outros e mais impressionado ainda com toda a sua história de vida e a amorosidade que irradiava.

Fui também sabendo que pertencia a uma família de excepcionais características de preocupação com os outros e de vida cristã irrepreensível.

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Ao fim de alguns anos com o acumular de testemunhos com este e após um Curso de Cristandade, acabei mesmo por aceitar que Deus residia nos nossos corações e que Jesus Cristo fora a Sua incarnação e continuava connosco.

E eram exemplos como o da Cármen Fortuna que davam corpo a esta verdade.

E de novo vim a contactar, agora com mais assiduidade e com outros olhos, com a Carmita que também acabou por frequentar um Cursilho na sua ânsia de entrega aos outros vindo a ser Reitora de cursos. Relembro como se apresentava nas reuniões como “mãe solteira, com seis filhos, um de cada pai!”, deixando toda a gente atónita até entender o que esta apresentação continha de substancia caritativa e de presença do Deus vivo!

Recordo também com encarou uma doença grave que a atingiu, como impressionava as pessoas com a sua aceitação do sofrimento (a sua Cruz!) e como animava as pessoas com quem convivia, até nos tempos do seu internamento hospitalar onde a sua acção apostólica ficou notabilizada – um testemunho exemplar, digno duma verdadeira santa!

A todos os que com ela conviviam era contagiante esta ternura, este espírito de entrega, esta alegria de viver, esta aceitação do sofrimento em oblação de si própria pelo bem dos outros, neste mundo tão cheio de miséria e de egoísmo.

Até aos seus últimos momentos, com sofrimento, se manteve fiel à sua Fé e à sua doação – o velório do seu corpo e o seu funeral foram verdadeiras homenagens a ela e ao Deus que a animava e sempre lhe orientou os seus passos. Foi uma manifestação de Fé extraordinária que impressionou e comoveu todos os que participaram em tal cerimónia fúnebre, cheia de cânticos, de alegria, ao som da leitura de versos escritos pela Carmita.

Um ambiente daqueles só foi possível porque o Espírito Santo pairava sobre aquela verdadeira santa.

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Tomei depois conhecimento mais pormenorizado sobre a sua forma de vida e sobre a sua maneira de ser através dum livro escrito por um dos seus irmãos.

Mas o que escrevi acima é que é o meu verdadeiro testemunho, saído do meu coração, sobre a Carmita.

Entendo que já se devia ter tomado a iniciativa de abrir um processo de beatificação de Cármen de Matos Fortuna – a nossa Igreja necessita de santos verdadeiros que deram sempre testemunho do Amor aos outros em todas as circunstâncias da vida, indo como Cristo até a entrega da própria vida.